Poucos brasileiros votam em Portugal: desafios e direitos na participação política
Com baixo recenseamento e barreiras estruturais, muitos brasileiros em Portugal ainda não exercem plenamente seu direito ao voto

Mais de 9 milhões de eleitores podem votar nas eleições autárquicas para eleger aqueles que vão liderar os munícipios e freguesias nos próximos quatro anos. Crédito: António Cotrim/Lusa.
Com as eleições autárquicas marcadas para 12 de outubro, Portugal vive um paradoxo: nunca teve tantos estrangeiros residentes — pouco mais de um milhão, o equivalente a 9,8% da população — e tão poucos aptos a votar.
Apenas 3,3% deles estavam recenseados até o fim de 2023, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Entre os registrados, os brasileiros são maioria, mas a presença ainda é reduzida tanto nos processos políticos quanto nas estruturas partidárias.
O INE aponta que, em 2023, 17,2% dos residentes vinham de nações da União Europeia, como Itália, França, Alemanha e Espanha. Os demais 82,8% eram de fora do bloco, com destaque para brasileiros, ucranianos, angolanos, britânicos, cabo-verdianos e indianos. Vivem em Portugal pessoas de 185 nacionalidades.
O cenário político não reflete essa diversidade. Estudo publicado pela Universidade do Porto em fevereiro de 2024, com dados do ano anterior, indica que a baixa participação política de imigrantes compromete a integração e favorece o avanço de discursos populistas e xenofóbicos.
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Para Cyntia de Paula, vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa e representante da comunidade brasileira no Conselho para as Migrações e Asilo da Agência para Integração, Migrações e Asilo (Aima), a combinação entre falta de informação e barreiras estruturais reduz drasticamente o exercício do direito ao voto. A maioria dos brasileiros não sabe que pode votar após dois anos de residência legal.
“Falta uma política pública de informação sobre os direitos políticos dos imigrantes”, afirma.
A filiação partidária é ainda mais restrita. Para participar, o estrangeiro precisa ter direitos políticos ativos em Portugal. No caso dos brasileiros, isso pode ocorrer de duas formas:
- Fazer o recenseamento voluntário nas juntas de freguesia (unidades administrativas) após dois anos de residência legal.
- Solicitar o Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos (EIDP), previsto no Tratado de Porto Seguro, após três anos de residência legalizada.
O acesso a esse estatuto, no entanto, é limitado. Em 2023, segundo relatório da Aima, dos quase 10 mil pedidos de brasileiros, apenas 62 incluíam o EIDP. Muitos sequer sabem que têm esse direito. “E muita gente ainda não possui o cartão de residência definitivo devido aos atrasos na Aima, o que prejudica a participação política”, destaca Cyntia.
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A brasiliense Anna Gaya Alvarenga, que chegou em 2018 para fazer um mestrado no Porto, decidiu exercer plenamente seus direitos políticos quando já estava com a situação regularizada. Enfrentou, no entanto, dificuldades no atendimento da junta de freguesia. Mesmo assim, conseguiu se recensear.
“Senti uma emoção forte ao ver omeu nome ali na porta da sala, ao ter direito a uma cédula”, lembra.
Essa dimensão simbólica também é reconhecida por Cyntia, que define a exclusão política como uma barreira poderosa. “Mesmo com direitos garantidos na lei, existe um discurso que nos coloca de fora”, afirma.
Esta reportagem é parte da quarta edição da revista EntreRios, disponível nas principais bancas. Você também pode assinar e receber a publicação no conforto da sua casa.
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